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O Acompanhamento espiritual na vida cristã; razão e importância.


Afinal o que é acompanhamento espiritual? É chamado “espiritual” por estar relacionado às realidades interiores da pessoa. Prefiro o termo “acompanhamento” a “direção”, visto que “direção”, suscita em muitos, por diversas razões, a ideia de um “dirigismo”, ou seja, de autoritarismo, repressão ou imposição em relação à pessoa e sua liberdade.


Quando na realidade, a direção espiritual refere-se ao guiar pessoal e íntimo da pessoa, a uma relação estável entre as pessoas, uma das quais recebe da outra ajuda que a ilumina, sustém e acompanha no discernimento e realização da vontade de Deus, para progredir na santidade. Não se trata de anular a pessoa do dirigido ou sua autonomia, nem estabelecer relações de dependência viciosa em ambas às partes, pois de modo algum se pode suprir o individuo naquilo que deve ser resposta pessoal ao chamado pessoal de Deus.


Portanto, expressões como “acompanhamento espiritual”, “orientação espiritual” etc, pretendem não substituir os termos “direção”, mas ressaltar as dimensões mais amplas e talvez esquecidas da verdadeira e tradicional direção espiritual. O acompanhamento espiritual é a ajuda oferecida por alguém com experiência a um fiel que caminha para a plenitude da vida em Cristo e no Espírito. Não se trata do trabalho pastoral voltado para toda a comunidade cristã, mas daquele prestado a um de seus membros, chamado, junto com os outros a ser perfeito “como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).


O acompanhamento espiritual é aconselhado para aqueles que desejam amadurecer na vida cristã, que querem crescer na intimidade com Deus e buscam uma vida de santidade. O acompanhador espiritual é aquele que nos orienta e nos ajuda a fazer a escolha conforme a vontade de Deus para nossa vida. Na vida cristã vivemos entre tensões, múltiplas provas e quedas do dia a dia, que não são estéreis, mas nos conduzem à fé purificada, nos conduz a uma progressiva sensibilidade espiritual, a docilidade ao Espírito Santo.


Elas nos revelam nossa verdadeira condição, nossa necessidade de Deus. Deus vai encontrando espaço para agir no homem, transformando-o segundo a imagem de seu filho, mudando-lhe o espírito e o coração e lhe introduzindo na vida divina. Como filho de Deus, o cristão recebeu o Espírito de seu Filho para ser conduzido por ele, atuar segundo ele e dar frutos de “amor, alegria, paz, longanimidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança” (Gl 5, 22-23) que lhe são próprios. Buscar um acompanhamento espiritual é importante, porque, desde que nascemos, precisamos da ajuda do outro. No nascimento, precisamos dos cuidados de nossos pais, precisamos do alimento, do leite materno que não pode ser descartado ou substituído por outro, pois este tem sua riqueza em vitaminas. Para a criança recémnascida, não tem jeito, ela precisa do leite humano. Deve ser por isso que Deus quis criar o ser humano. O Senhor quis que as pessoas se relacionassem; então, criou a mulher, a fim de que ela fosse companheira, uma “auxiliar que correspondesse a ele” (Gn 2,20).


Isso também se aplica à vida espiritual. Por mais que já tenhamos um bom tempo de caminhada ao lado de Deus – sejam cinco, dez, vinte anos servindo numa comunidade, numa pastoral, para que possamos dar algo precisamos também receber, precisamos de alguém que nos instrua que nos ilumine nas decisões. Por isso, há a necessidade não só de formação, mas de alguém que caminhe conosco e nos ajude a discernir quais passos devem ser dados. Precisamos de acompanhamento espiritual porque necessitamos dos outros não só nas realidades básicas, humanas e profissionais, mas também na realidade espiritual. Muitas vezes, erramos, porque não temos alguém ao nosso lado para nos escutar, para dar uma luz sobre esse ou aquele assunto.


Precisamos de direção espiritual, porque necessitamos de ajuda, porque somos falhos, porque não somos perfeitos. A busca por um acompanhador espiritual é também uma atitude de humildade, um remédio contra a autossuficiência, contra o orgulho. Precisamos de um acompanhador, porque nem sempre estamos certos. Se precisamos de alguém quando criança, quando adolescente e até adulto para realizar algumas tarefas, mesmo com alguma autonomia e autoridade, precisamos do outro para continuarmos acertando ou para errarmos menos. Vejam que não é muito fácil exercer o serviço de acompanhador espiritual. Não se trata apenas de dar receitas espirituais ou simplesmente ensinar a pessoa dirigida a rezar. O acompanhador espiritual precisa conhecer o todo da pessoa e saber identificar certas dificuldades do dirigido em progredir decorrentes de experiências negativas, que podem atravancar os processos que conduzem a uma experiência razoável ou plena de Deus.


Por fim, o acompanhador espiritual é uma boa ajuda para que se viva bem a vida espiritual e, consequentemente, para que se viva bem as outras realidades da vida, pois estão estreitamente ligadas. Quando eu estiver bem com Deus, estarei bem com o outro, estarei bem com a vida profissional e todas as outras coisas deslancharão. E mesmo que as outras realidades não estejam bem, o fato de estar bem espiritualmente, de estar sendo acompanhado, faz com que eu tenha paciência, sobriedade e calma com as confusões ao meu redor, “mesmo que a figueira não renove seus brotos, a parreira deixe de produzir, se as ovelhas desaparecerem dos pastos, estarei feliz no Senhor (Hab 3,17-18). Não significa ser passivo, mas, sendo acompanhado, terei calma para ver tal situação como um desafio a ser vencido à luz do Espírito Santo com diálogo e esperança.


A grande importância do acompanhamento espiritual, sem dúvida, é gerar estímulos para que o acompanhado sinta a necessidade para a prática do Evangelho e busque o caminho da contemplação. Muitos santos tiveram esse auxílio e indicam em suas obras o direcionamento espiritual a todos. São Josemaria Escrivá fala disso com uma imagem simples: “Convém que conheças esta doutrina segura: o espírito próprio é mau conselheiro, mau piloto, para dirigir a alma nas borrascas e tempestades, por entre os escolhos da vida interior.


– Por isso, é vontade de Deus que a direção da nossa vida esteja entregue a um Mestre, para que, com a sua luz e conhecimento, nos conduza a porto seguro”.



Por João Reis- Bacharel em Teologia.



REFERÊNCIAS: ESCRIVÁ, Josemaria. Caminho, Editora Quadrante, São Paulo, 1939. BÍBLIA AVE MARIA, Editora Claret, São Paulo, 2012. JOÃO PAULO II, Papa,Cruzando o limiar da esperança, ISBN, Rio de Janeiro, 1994.

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